Comparar política com futebol pode soar a um exercício que resvala para o prosaico. Na verdade, a política em si, como ciência e exercício de cidadania, nada tem a ver com futebol e logo aí, as hipotéticas possibilidades de comparação se diluiriam.
No entanto, se não é possível estabelecer uma ponte comum entre estas duas díspares actividades, o mesmo não se pode afirmar quanto às reacções que provocam.
Quando um qualquer treinador se cruza com a torrente do sucesso, os adeptos não tardam a mitificar o seu trabalho. Se no dia a seguir, a erosão desse trabalho surge e as derrotas sobrepõem-se às vitórias, o heróico treinador desaparece e emerge uma figura indesejável. Em bom e ávido português dir-se-á assim: “Passou de bestial a besta.”
Nós somos assim: temos uma extensão de memória só comparável com a largueza do nosso país. O que ontem foi bom, hoje é detestável e amanhã é execrável.
Na política, os fenómenos de reacção são muito à imagem desse desporto que move milhões – de pessoas e de euros -, em que a imagem dos treinadores é substituída pela dos políticos e a dos clubes pela dos regimes.
Num estudo realizado recentemente no âmbito do Projecto Farol, 46% dos portugueses auscultados no inquérito, afirmaram que as condições económicas e sociais do país estão piores do que há 40 anos.
O desespero é um mau conselheiro. E esta resposta demonstra isso mesmo.
Há 40 anos atrás a saúde não era um direito. A educação seguia-lhe o caminho e as taxas de alfabetização aterrorizavam o mais calmo dos nórdicos. A fome era uma realidade banal. A esperança média de vida era baixa e a mortalidade infantil era alta. O estado de iliteracia geral era perene. Hoje por hoje, parece uma realidade a cair em desuso, ainda que de forma demasiado lenta.
O clube que abandonámos com o esforço pessoal de muitos – o da ditadura – é aos olhos de metade da população melhor que o clube que abraçamos entusiasticamente – o da democracia.
Churchill disse um dia a célebre e genial frase: “A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”.
Lembremo-nos que hoje, indiscutivelmente, somos um melhor clube. Precisamos apenas de treinar mais. E com mais afinco.
in O centro Social